Astrônomos detectam sinais de possível vida em planeta a 120 anos-luz da Terra

Moléculas associadas a organismos vivos foram encontradas na atmosfera do exoplaneta K2-18b; descoberta é considerada a mais promissora até agora. 

Uma equipe internacional de astrônomos anunciou a detecção de sinais químicos na atmosfera de um planeta distante que podem indicar a presença de vida. O exoplaneta, chamado K2-18b, está localizado a cerca de 120 anos-luz da Terra, na constelação de Leão, e orbita uma estrela anã vermelha. A análise atmosférica, conduzida com dados do Telescópio Espacial James Webb (JWST), revelou possíveis traços de moléculas que, na Terra, são produzidas exclusivamente por seres vivos.

A descoberta foi divulgada por Nikku Madhusudhan, astrônomo da Universidade de Cambridge e líder do estudo publicado na The Astrophysical Journal Letters. Durante entrevista coletiva realizada nesta terça-feira (16), o cientista destacou que os dados ainda não são conclusivos, mas representam um avanço sem precedentes na busca por vida fora da Terra. “Não é do interesse de ninguém afirmar prematuramente que detectamos vida”, disse. Ainda assim, ele reconheceu que o K2-18b apresenta fortes indícios de bioassinaturas em sua atmosfera.

Mundo hiceano com sinais de moléculas biológicas

Segundo os pesquisadores, o K2-18b é um planeta classificado como “sub-Netuno”, ou seja, possui tamanho intermediário entre os planetas rochosos e os gigantes gasosos do Sistema Solar. Ele tem cerca de 2,6 vezes o raio da Terra e massa quase nove vezes maior. O que torna o K2-18b particularmente interessante é a hipótese de que ele seja um “planeta hiceano”, termo cunhado pela própria equipe de Cambridge para descrever mundos cobertos por oceanos quentes e com atmosferas ricas em hidrogênio.

A detecção foi feita por meio de espectroscopia, técnica que analisa a luz da estrela à medida que o planeta transita à sua frente. A luz filtrada pela atmosfera do K2-18b mostra padrões específicos que indicam a presença de certos gases. Em 2023, os cientistas já haviam identificado traços sutis de sulfeto de dimetila (DMS), uma molécula que, na Terra, é produzida por algas marinhas e outros microrganismos.

Na nova observação, feita com outro instrumento do JWST, os sinais de DMS foram ainda mais intensos e acompanhados por outro composto: o dissulfeto de dimetila (DMDS). “A quantidade que estimamos desse gás na atmosfera é milhares de vezes maior do que temos na Terra”, afirmou Madhusudhan. “Se a associação com a vida for real, esse planeta estará repleto de organismos vivos.”

Ceticismo e necessidade de confirmação

Apesar do entusiasmo, a comunidade científica permanece cautelosa. Stephen Schmidt, cientista planetário da Universidade Johns Hopkins, lembrou que a descoberta ainda está longe de ser uma prova. “É uma pista. Mas ainda não podemos concluir que seja habitável”, declarou ao The New York Times.

Christopher Glein, do Southwest Research Institute, também fez ressalvas. “A menos que vejamos ETs nos acenando, não será uma prova cabal”, disse. A crítica recai sobre a margem de erro dos dados: embora a equipe de Cambridge tenha alcançado um grau de confiança de 99,7% (três sigma), a confirmação oficial de uma descoberta científica exige 99,99999% (cinco sigma).

Mesmo dentro da própria equipe responsável pelo estudo, há consciência das limitações. Por isso, os pesquisadores estão trabalhando com laboratórios parceiros para investigar se os compostos DMS e DMDS poderiam ter origem abiótica — ou seja, não biológica. É possível, por exemplo, que reações geológicas em mundos alienígenas gerem essas moléculas, algo que não ocorre naturalmente na Terra, mas que não pode ser descartado em outros ambientes planetários.

A natureza enigmática do K2-18b

Outro desafio está em entender melhor a estrutura do próprio K2-18b. A ausência de amônia em sua atmosfera foi inicialmente interpretada como indicativo de um oceano líquido, uma vez que grandes massas d’água absorveriam esse composto. No entanto, alguns especialistas sugerem que o planeta pode ser coberto por um oceano de rocha derretida — o que impossibilitaria qualquer forma de vida semelhante à terrestre.

Oliver Shorttle, também da Universidade de Cambridge, destacou que toda a compreensão sobre o K2-18b vem da análise de pequenas variações de luz. “É um sinal extremamente tênue que temos que interpretar — não só em busca de vida, mas de tudo”, explicou.

O debate sobre a natureza do planeta é intenso. Nicolas Wogan, da NASA, propôs que o K2-18b pode ser um mini-gigante gasoso sem superfície sólida. Outros cientistas refutaram essa tese, alegando que os dados do JWST não sustentam essa conclusão. O próprio Madhusudhan reconhece as dificuldades: “Há uma enorme montanha científica a ser escalada antes que possamos responder uma das maiores questões da humanidade”.

Avanços futuros e importância da cautela

A detecção de moléculas potencialmente biológicas representa um dos maiores avanços na astrobiologia até hoje, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. A professora Catherine Heymans, da Universidade de Edimburgo e Astrônoma Real da Escócia, ressaltou à BBC que mesmo uma confirmação de cinco sigma não seria suficiente para provar a existência de vida. “Na Terra, o DMS é produzido por microrganismos marinhos, mas em outro planeta não podemos excluir que outra atividade geológica possa gerá-lo”, explicou.

Por esse motivo, diversos experimentos em laboratório estão sendo preparados para simular as condições extremas de sub-Netunos como o K2-18b e verificar se essas moléculas poderiam surgir sem a presença de vida. A NASA também planeja lançar telescópios mais potentes nas próximas décadas, com capacidade para estudar com mais precisão planetas potencialmente habitáveis.

Matthew Nixon, cientista planetário da Universidade de Maryland, reforçou a importância da paciência: “Estamos apenas começando a entender a natureza desses mundos exóticos”.

Desafios políticos e o futuro da astrobiologia

Apesar dos avanços tecnológicos, a continuidade da pesquisa pode enfrentar entraves financeiros. A astrobióloga Joshua Krissansen-Totton, da Universidade de Washington, demonstrou preocupação com possíveis cortes orçamentários na NASA, o que colocaria em risco futuras missões voltadas à busca por vida fora da Terra.

“Se esses cortes forem aprovados, a busca por vida em outros mundos pode simplesmente cessar”, alertou.

Momento histórico para a ciência

Para Nikku Madhusudhan, porém, a descoberta representa um marco. “Daqui a algumas décadas, podemos olhar para esse momento e reconhecer que foi quando o Universo vivo se tornou algo ao nosso alcance”, declarou. Ainda que não se trate de uma prova definitiva, os dados do K2-18b colocam a humanidade um passo mais próxima de responder uma das perguntas mais fundamentais da ciência: estamos sozinhos no Universo?
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